Do blog "Com texto livre"
Viver olhando o retrovisor ou achar que o passado, não vivido por nós, é sempre melhor cria certa ilusão de presente e futuro, como se a vida real e concreta fosse ruim ou por outro lado de que nossa existência é pouco significativa pois tudo de bom já fora feito ou criado, os gênios, os espetaculares artistas, heróis sobrando ao presente apenas olha pra trás.
O filme “Meia noite em Paris” traz uma profunda reflexão sobre um desejo corrente e comum de reviver uma época gloriosa, muitas vezes influenciada por nossas afinidades eletivas com escritores, cantores, pintores, grandes gênios que de repente freqüentam o mesmo lugar, no mesmo lapso temporal. Fôra assim na Grécia antiga, em particular no Século V e IV anterior a era cristã, ou durante o renascimento na Itália, mas no caso do filme é centrado na Paris do fim dos anos 20 do Século passado.
O fim da primeira grande guerra concentrou em Paris uma constelação de geniais artistas de vários lugares do mundo, era como se ali houvesse a necessidade de se gestar nova esperança à humanidade recentemente destruída pela força irracional da I guerra mundial. Esta reunião informal e a interação destes é uma retomada do Homem sob o animal, as festas as experimentações dão a medida de que algo de bom sobreviveu aos horrores da guerra.
A viagem afetiva, cultural, que nos propõe Woody Allen bate profundamente na alma, pois estamos num momento de extrema mutação da humanidade, os valores éticos e moras estão sendo pisoteados e destruídos pelo desejo desenfreado de poder e riqueza. O sogro do “Tea Party” em contraposição ao futuro genro “abobalhado” (Comunista) sonhador dá a medida dos novos embates da alma humana.
A “fuga” do roteirista, aqui ele se apresenta como alguém que vende a sua alma em troca de dinheiro, mas que vai a Paris numa tentativa de se redimir escrevendo algo além de diversão fast food. A grande fantasia de passar a noite com seus ídolos é nosso reencontro coletivo com o que temos de melhor na humanidade: Cultura, prazer e humanismo. A anabase (descida ao Hades – assim como fizera Dante para reencontrar suas referências) de Gil Pender (Owen Wilson – ou seria o próprio Woody rejuvenescido (?)) é a mais perfeita combinação de reflexão consciente e viagem onírica. Ali Gil Pender vira alguém de valor, ele pode ser ele mesmo.
A mais fascinante viagem é leitura de um livro bem ambientado, mas que genialmente Woody Allen nos dar oportunidade de descer a este mundo, viver, ouvir aqueles gênios como se um de nós fosse. A Catabase (retorno, subida) de Gil é seu perfeito entendimento e, nosso, é claro, de que viver o presente é tão ou mais importante do que ficar preso ao passado. A mensagem de sólida formação cultural, ética do passado nos torna melhores e mais interessantes no presente, podemos ser os continuadores destes. O fio que nos liga e nos molda no presente é o humanismo que jamais perdemos.
Woody Allen nos presenteia com esta obra prima, nossa alma sai cantando do cinema com Cole Porter (Let’s do It) , enamorado com a beleza e sensualidade de Adriana, a caracterização surreal de Dalí, as aulas Gertrude Stein e para fechar a frase do sogro “Tea Party” que manda Gil encontrar “Trotsky”, genial!
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