Duas notícias publicadas hoje, aparentemente sem relação, deveriam ser reunidas para que a gente pense, estrategicamente, sobre o que está disposto em nossa Constituição: que os recursos minerais, inclusive os do subsolo, pertencem à União, ou seja, a todo o país.
A primeira, a publicada na Folha, dando conta de que a Presidenta Dilma quer mudar as regras de concessão da exploração de minérios.
Hoje, basicamente, requer-se uma licença de pesquisa, depois a de lavra e pronto. Como, quando e em que quantidades se vai extrair o minério, é problema do novo “dono” daquilo que a Constituição diz que é do país .
A outra, no Estadão, dá conta de que cientistas Observatório Nacional encontraram evidências de um “rio” subterrâneo de 6 mil quilômetros de extensão que corre embaixo do Rio Amazonas a uma profundidade de 4 mil metros. Lentamente, corre a essa profundidade um volume de água que pode chegar a bilhões de litros.
Como diz o Mino Carta, até o “mundo mineral” sabe que água é não só um mineral, mas o mais estratégico deles, neste século.
Mas o que tem uma coisa a ver com a outra?
Claro que ninguém é louco de achar que uma empresa iria “registrar a lavra” deste oceano de água doce subterrâneo. Não é isso.
O controle da pesquisa e da lavra mineral pelo Estado tem a ver com o que ela permite saber e encontrar em nosso subsolo, e como, quando e quanto dele se vai extrair.
O “rio” amazônico foi descoberto a partir de 241 poços profundos perfurados pela Petrobras durante duas décadas, procurando petróleo. Nessa busca, como se achou água, poder-se-ia ter achado ouro, titânio, nióbio, dezenas ou centenas de substâncias de altíssimo valor.
E, mesmo sendo água, que importância isso tem quando se trata de conhecer disponibilidades e potenciais dela?
É só necessário bom-senso para saber se uma empresa privada – e multinacional – tornaria público este conhecimento.
“O mercado(de mineração) mudou. Não é mais aquela figura do garimpeiro puxando um burro de carga com uma picareta na mão”, teria dito a presidente Dilma Rousseff sobre a política de concessões, segundo o Estadão.
Claro que mudou. Jazidas minerais são mapeadas até do espaço, mas isso precisa ser complementado com pesquisas terrestres e e perfurações. Foi assim, graças ao sensoriamento remoto e à pesquisa local – possível com o domínio do território – que os americanos descobriram jazidas de ferro, cobre, cobalto, ouro, molibdênio, lítio e outros metais, num valor estimado em quase um trilhão de dólares.
A revisão do código mineral deve seguir o mesmo espírito – com a flexibilidade óbvia de que não se pode tratar a pequena lavra como as jazidas gigantes – que inspiraram o marco regulador do pré-sal.
Royalties e participações estatais devem ser significativos e variar de acordo com o potencial de extração. Áreas com menor risco exploratório – onde o lucro é certo – precisam ter tratamento diferenciado e o Estado não pode abrir mão de ter controle sobre os cronogramas e volumes de extração, sobre a utilização de conteúdo – em equipamentos e serviços – produzido dentro do Brasil.
Da mesma forma, pode e deve estabelecer diferenciação sobre a agregação de valor – quem quiser vender lá fora o minério bruto, que pague por isso de forma diferente daquele que o beneficiar, primária ou elaboradamente.
E, sobretudo, tem de assegurar que todo o conhecimento seja obtido na pesquisa e na lavra seja do conhecimento da Nação.
Porque, se a Constituição diz que pertence à União, isso não é de domínio privado.
Ou vai passar um rio subterrâneo de riqueza debaixo de nossos pés, sem que ela jamais chegue às nossas mãos.
Por: Fernando Brito
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